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Química Nova na Escola
Vol. 31 No3
Agosto de 2009

Editorial

Colocamos à disposição dos leitores da Química Nova na Escola mais um número da Revista. Isso acontece em tempos de discussão sobre o novo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que, segundo espera o atual Ministro da Educação, “seja o fim do vestibular tradicional” no Brasil. Para a comunidade dos educadores químicos, pode ser a esperança de mudar o ensino de Química na Educação Básica. Desde os anos iniciais da formação da comunidade da Educação Química no Brasil, início dos anos oitenta do século passado, mostrou-se a vinculação entre os programas de ensino de Química e os dos principais vestibulares no Brasil. Nos debates e nas discussões, sempre aparecia a dificuldade de se propor programas alternativos de ensino de Química – com menos itens de conteúdo e maior apelo formativo de capacidades para lidar com o conhecimento químico no mundo da vida – sob o argumento de que todos aqueles itens de conteúdos eram cobrados nos vestibulares. Nessa mesma época, o debate em torno do que seria uma educação básica de qualidade para todos era tênue, prevalecendo a ideia de ensino com o foco centrado na seleção dos estudantes que seguiriam adiante no sistema educacional, principalmente do Ensino Médio para o Superior. É forte a tradição do ensino propedêutico no Brasil, aquele que sempre pensa no grau seguinte, esquecendo que a boa qualidade educacional deve ser garantida em todos os níveis do sistema. No contexto da educação química, discutiu-se muito sobre a “inutilidade” da química ensinada no nível médio, que servia, apenas, como possível “trampolim” para um curso superior. Ao mesmo tempo, várias propostas alternativas aos programas tradicionais foram pro- duzidas por educadores químicos como “Educação para a Cidadania”, “Química no Cotidiano”, “Experimentação” e outras ênfases que ressaltavam “ideias construtivistas” na construção do conhecimento químico escolar. Com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a discussão em torno do que seria a educação básica brasileira tomou corpo e permitiu definir parâmetros curriculares mais de acordo com essa concepção de educação, com realce na formação de competências e habilidades, indicando objetivos de conteúdo, valores e atitudes, em vez de privilegiar a simples transmissão dos conteúdos científicos. Lideranças educacionais participaram da elaboração dos parâmetros e, assim, muitos princípios teóricos defendidos por educadores foram incorporados nos documentos, como a concepção de áreas de conhecimento, interdisciplinaridade e contex- tualização dos conteúdos científicos, tentando superar a exclusiva visão disciplinar e fragmentada na organização curricular no Ensino Médio. Esses princípios foram reafirmados em nova versão de parâmetros curriculares na forma de Orientações Curriculares para o Ensino Médio, sob a coordenação da Secretaria da Educação Básica, MEC. Nesse mesmo período de vigência da nova LDBEN, as comunidades de educadores da área científica, como a Divisão de Ensino da SBQ, a Secretaria de Ensino da SBF, a Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia e Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, foram consolidadas e muitos trabalhos sobre educação científica foram produzidos, apresentados e publicados nos periódicos das áreas. Muitos desses trabalhos mostram que pouco mudou nas salas de aula em termos de concepção e quantidade de conteúdos necessários para uma boa formação básica nas diferentes áreas do conhecimento humano. Isso decorre do fato de os pro- gramas de seleção não terem mudado, mesmo que muitas instituições usassem notas do ENEM anterior, especialmente a redação, como um dos critérios de seleção e que o Prouni utilizasse a nota do ENEM na seleção de candidatos carentes nas IES particulares. Outras formas de ingresso, como o PAS (UnB) e o PEIS (UFSM), com aplicação de provas no final das três séries do Ensino Médio, provocaram mudanças na sequência dos conteúdos desenvolvidos nas escolas, ainda assim, mantiveram o princípio de selecionar da mesma forma que os vestibulares tradicionais, isto é, resolver questões tradicionais de conteúdos das áreas do conhecimento. O novo ENEM, ao se propor a manter as suas virtudes, voltado para avaliar competências cognitivas mais amplas, superando a prática escolar tradicional de cobrar com muita ênfase uma ou duas habilidades, como a memorização mecânica dos conteúdos e a resolução de exercícios com base em modelos fechados, poderá criar o impulso inicial de romper com os programas tradicionais de ensino. Estes são, na escola e em cursos preparatórios para o concurso vestibular, simples desdobramentos dos itens de conteúdo propostos pelas Instituições, que se repetem com grande frequência em todos os seus itens. Não por acaso, são os mesmos itens dos sumários dos livros didáticos mais utilizados! Ao menos é o que se observa no componente disciplinar da Química. A esperança no novo ENEM, como indutor de nova educação básica, mediante novo ensino, aviva-se quando se analisam provas anteriores desse exame e a Matriz de Referência para o ENEM 2009. Os cinco eixos cognitivos – dominar linguagens, compreender fenômenos, enfrentar situações-problema, construir argumentação, elaborar propostas – são competências comuns a todas as áreas do conhecimento e podem ser desenvolvidos em todos os itens de conteúdo. Não se consegue fazê-lo se a preocupação central é dar conta de um item de conteúdo em cada aula, por exemplo. A expectativa é que professores tenham autonomia suficiente e sabedoria necessária para escolher conteúdos ou objetos de conhecimento que melhor atendam ao desenvolvimento das competências comuns e específicas da química. Para isso, espera-se que os anexos, que trazem os objetos de conhecimento de cada matéria escolar, não sejam vistos como os mais importantes. Se esses objetos se constituírem, novamente, em programas de ensino e se os livros didáticos forem escritos como que “normatizando” as aulas de química exclusivamente para atenderem a mais um exame de seleção, nada vai mudar. A comunidade de educadores químicos, por meio de Química Nova na Escola, em suas diversas seções e em sua trajetória histórica de dezesseis anos, teve o mérito de veicular ideias e propostas que melhor atendessem às necessidades de professores e estudantes para uma aprendizagem melhor em química. Não propõe um programa de ensino nem conteúdos mínimos, mas apresenta objetos de estudo que, inseridos nos programas desenvolvidos nas escolas, podem ajudar a desenvolver as competências cognitivas que, hoje se propõe, sejam as melhores para uma boa educação básica. É importante que os autores de novos artigos tenham em mente, de forma explícita, aquilo que está se propondo como melhor para ser avaliado e, ao mesmo tempo, com visão crítica, indique outras possibilidades.
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