Voltar à Coleção Completa | Voltar ao QNEsc Vol. 41 No1 | Ir ao Volume Anterior | Ir ao Próximo Volume

Química Nova na Escola
Vol. 41 No1
Fevereiro de 2019

Editorial

Negligências e Tragédias

 

Nem mesmo alcançamos o final do primeiro bimestre de 2019 e já encaramos duas tragédias que comoveram a nação, causando tristeza, indignação e dor: o rompimento da barragem de rejeitos de minério da Vale, em Brumadinho, Minas Gerais, e o incêndio que atingiu o centro de treinamento Ninho do Urubu, em Vargem Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Ainda está fresco em nossa memória o desastre de Mariana, que guarda semelhanças perturbadoras com o de Brumadinho, ocorrido há pouco mais de três anos, também em Minas Gerais, quando rompeu a barragem do Fundão, da mineradora Samarco. Na ocasião, como agora, pagamos elevado preço pela negligência de empresas que operam em atividades de risco, incluindo vidas ceifadas, danos ambientais e o desespero dos que perderam entes queridos e bens materiais. Enquanto em Mariana foram dezenove mortos, em Brumadinho esse número deve ultrapassar três centenas. O derramamento da lama da barragem do Fundão sobre a Bacia do Rio Doce causou desastre ambiental sem precedentes, com efeitos sobre fauna e flora fluvial e marinha, sendo ainda cedo para que façamos afirmações seguras a respeito do impacto nefasto de mesma natureza decorrente do derramamento da lama da barragem do Córrego do Feijão, que avança pelo Rio Paraopeba.

No Ninho do Urubu, dez jogadores de futebol das categorias de base do Clube de Regatas Flamengo, com idade entre catorze e dezesseis anos, morreram, vítimas do incêndio no alojamento improvisado onde dormiam. Levaram consigo sonhos; seus talentos foram desperdiçados. É estarrecedor que o clube tenha permitido que fossem alojados em instalações precárias e sem condições de segurança. A negligência novamente marca presença nesse cenário macabro, onde irresponsabilidade e incompetência caminham de mãos dadas. Em ambos os casos, como já é de praxe, após tantas perdas, as engrenagens do poder se movimentaram: a Justiça do Estado de Minas Gerais, finalmente, proibiu a licitação de barragens de alteamento a montante, como as de Mariana e Brumadinho, e o centro de treinamento do Flamengo está fechado a menores, a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Lições importantes precisam ser extraídas e discutidas com nossos estudantes frente à dura realidade que se apresenta após episódios tão impactantes. Não somente no que diz respeito aos conteúdos de química que podem ser abarcados por eles, mas também no que tange à atenção a discursos, por vezes equivocados, que povoam a mídia, especialmente nesses momentos, em relação aos direitos dos cidadãos, aos deveres do Estado e à preservação do ambiente. Abordando, também em aulas de química, questões sociocientíficas, assim como éticas e morais, abrimos espaço para a argumentação e para o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes, fundamental no Brasil de hoje, onde, mesmo frente a desastres como os aqui expostos, tramitam propostas no Congresso Nacional de flexibilização de normas de proteção ambiental. Somente quando pudermos contar com a atuação de número significativo de cidadãos verdadeiramente críticos teremos esperanças de que a sensação de impunidade não será sempre a única que nos restará diante das tragédias nacionais.

Os textos que compõem este número de Química Nova na Escola foram selecionados entre os trabalhos completos apresentados no XIX Encontro Nacional de Ensino de Química, realizado em Rio Branco, Acre, entre os dias 16 e 19 de julho de 2018. Todos eles trazem contribuições relevantes para os educadores químicos e foram encaminhados a assessores para avaliação, sendo que outros oito trabalhos selecionados serão publicados até o final do corrente ano. Destacamos aqui quatro dos artigos que compõem este conjunto inicial, nos quais os autores buscam a promoção de discussão de questões sociocientíficas, éticas e morais, assim como de reflexões que auxiliem a formação do senso crítico, em alinhamento com as considerações tecidas neste Editorial.

Questões sociocientíficas são abordadas nos artigos “Identificando compromissos epistemológicos, ontológicos e axiológicos em falas de licenciandos quando discutem uma questão sociocientífica” e “Análise do entendimento conceitual em uma sequência didática sobre o uso de pesticidas fundamentada na modelagem analógica”. No primeiro, as autoras analisaram a heterogeneidade de modos de pensar que emergiram na fala de alunos de licenciatura em química frente a uma questão sociocientífica vinculada a combustíveis e impactos ambientais. No segundo, as investigações giraram em torno de como a vivência de uma sequência didática, centrada na questão sociocientífica sobre o uso de pesticidas, influenciou o entendimento dos estudantes sobre o conceito de dispersão.

Questões éticas e morais foram tratadas no artigo “Sensibilidade moral de licenciandos em química diante de conflito ético na prática científica”, no qual os autores investigaram a sensibilidade moral de licenciandos em química, a partir das respostas empregadas por eles ao identificarem os diferentes aspectos morais da situação narrada no caso denominado Diane Archer, que envolve o plágio, conflito ético da prática científica.

Por fim, as autoras do artigo “Filme Robôs para discutir conceitos relacionados à ciência” escolheram a animação Robôs para abordar com os estudantes os diferentes conceitos químicos presentes nesse filme, e constataram a potencialidade do seu uso na promoção de reflexões que podem auxiliar na formação do senso crítico dos estudantes.

Ótima leitura a todos!

Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz

Editores de QNEsc

Sociedade Brasileira de Química © 2024

Voltar à Coleção Completa | Voltar ao QNEsc Vol. 41 No1 | Ir ao Volume Anterior | Ir ao Próximo Volume

on-line ISSN 2175-2699
impreso ISSN 0104-8899
Apoio a Projetos
CNPq
Desenvolvido por EKMF.