Desmonte da Educação e da Pesquisa no Brasil
Mal se completou o primeiro semestre do atual governo, eleito em 2018, e os educadores e pesquisadores brasileiros já se depararam, repetidas vezes, com ações que os afligem e preocupam. No bojo dessas ações encontram-se elementos que dificultam a realização, nas Escolas e Universidades, de uma educação gratuita e de qualidade, entendida por muitos como processo primordial para propiciar a construção de uma sociedade mais justa, assim como de pesquisas com potencial para contribuir na resolução de problemas críticos do país.
Um breve retrospecto de algumas das referidas ações nos remete ao bloqueio financeiro, anunciado em abril pelo ocupante formal do cargo de ministro da educação, Abraham Weintraub, de 30% das dotações orçamentárias anuais das Universidades Federais que, segundo ele, estivessem promovendo “balbúrdia” em seus campi. Denunciado o escandaloso viés persecutório, o bloqueio foi posteriormente ampliado e aplicado a todas as Universidades. No mesmo mês, foi também comunicado pelo ministro um estudo para reduzir custos com cursos de Filosofia e Sociologia e disseminada, assim, a ideia medíocre de que o conhecimento, para ser valoroso, necessita encontrar utilidade imediata. Em julho, foi lançado o programa “Future-se”, que visa à implementação de um novo modelo de gestão para as Universidades e Institutos Federais (IFs), visto com ressalvas por grande parte dos reitores, e elaborado sem base na construção de um diálogo com as próprias Universidades e IFs. O mais recente bloqueio do Ministério da Educação, no montante de R$ 348,4 milhões, foi anunciado no mês de agosto, e atingiu a compra, produção e distribuição de material didático para a educação básica.
Situação não menos crítica vivencia a pesquisa no país. O corte orçamentário anunciado pelo governo federal, em março, atingiu 42% da verba dedicada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), sobre um orçamento já achatado nos dois anos anteriores. Isso causou a diminuição drástica do repasse de recursos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência de fomento à pesquisa nacional. Como consequência, tornou-se recorrente a falta de regularidade no financiamento de recursos atrelados a editais fundamentais como o Universal, cujos coordenadores de projetos aprovados na Chamada Universal 2018 foram comunicados, em abril, da suspensão de implementação de novas bolsas. Mais uma suspensão de 4.500 bolsas foi anunciada este mês, sendo atingidas, principalmente, as de iniciação científica. Em um contínuo processo de agravamento da situação, João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do CNPq, recentemente tornou pública a existência de um déficit no orçamento deste órgão, que inviabiliza o pagamento de mais de 80 mil bolsas, afirmando ao Jornal da USP: “vamos pagar as bolsas de agosto normalmente; mas de setembro em diante não tem como pagar mais nada. A folha de agosto, essencialmente, zera o nosso orçamento”.
Os cortes e as ações mencionadas conduzem a um cenário sombrio, que vem unindo a população contra o desmanche da educação e da ciência brasileira, tanto nas ruas – onde a palavra “balbúrdia” transformou-se em um grito de guerra dos “idiotas úteis” (como o presidente da república se referiu aos manifestantes que defendiam a educação e a ciência) – quanto em manifestos e cartas públicas assinadas por ex-Ministros da Educação, ex-Presidentes do CNPq, dirigentes de Universidades e de associações e sociedades científicas, dentre outros, inclusive no âmbito internacional. A demissão do Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão, por divulgar dados verdadeiros sobre o crescente desmatamento da Amazônia deixou mais uma vez explícito o desprezo do atual governo pelo conhecimento científico.
Que ninguém se engane: as atitudes desse governo não resultam da incompetência, ignorância ou mesmo demência de seus ocupantes: são ações deliberadas visando à destruição do que se construiu na educação pública e no sistema de ciência e tecnologia do país ao longo de décadas. Cui prodest? A quem interessa?
A união de todos frente à desqualificação da educação e da pesquisa é imprescindível. Estes tempos tão difíceis têm desencadeado reflexões e atitudes positivas que trazem um pouco de luz ao contexto. Por exemplo, a divulgação para o público leigo dos objetivos e resultados das investigações realizadas nas Universidades, muitas delas financiadas pelo CNPq, concretizou-se de forma mais contundente nos últimos meses, cumprindo o importante papel de democratização do acesso ao conhecimento científico. A divulgação das pesquisas, por vezes, esteve associada aos referidos movimentos de protesto contra a situação vigente, e foi liderada principalmente por estudantes de graduação e pós-graduação das Universidades públicas.
Reflexões e ações dessa natureza, que resultam de questionamentos sobre a função do ensino e da pesquisa nos mais diversos espaços, são extremamente necessárias, e o leitor tem encontrado subsídios para a realização de tais exercícios na leitura de Química Nova na Escola. Dentre os artigos que compõem a presente edição, oferecemos como exemplos dois deles. Os artigos “Do Ferreiro a Magnetita: o Vídeo Educativo como Alternativa para a Implementação da Lei 10.639/03” e “O Tema ‘Alumínio’ nas Coleções do PNLD 2018: Uma Análise de Acordo com a Educação CTS”, em especial, trazem contribuições à discussão, tratando de inquietações vinculadas à natureza da ciência e como esta é apresentada aos estudantes – aspectos cuja compreensão favorecem a formação de um senso crítico mais apurado para o entendimento do momento conturbado em que vivemos.
Ótima leitura a todos!
Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz
Editores de QNEsc