Argumentação no ensino de química: pesquisas nacionais em destaque
Desde a década de 1990 tem sido expressivo o número de artigos publicados sobre a argumentação no ensino de ciências. Investigações voltadas à temática, no âmbito do ensino de química, passaram a ser divulgadas em nosso país a partir da década de 2000, tomando impulso nos últimos dez anos. Justificativas para tanto repousam no entendimento praticamente consensual de que a promoção de espaço para o exercício da argumentação pode auxiliar os estudantes na aprendizagem de conceitos científicos, no desenvolvimento do pensamento crítico, na capacidade de comunicação e de tomada de decisão responsável, assim como na compreensão da construção histórica e social do conhecimento químico. Além disso, a recente homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) contribuiu para oferecer maior visibilidade ao assunto, uma vez que estabelece a argumentação como uma competência a ser desenvolvida em sala de aula.
Este número de Química Nova na Escola apresenta um conjunto de textos a respeito de pesquisas sobre argumentação no ensino de química, oferecendo ao leitor a possibilidade de aprofundamento nessa temática emergente. A leitura tem potencial para mostrar as contribuições de estudos dessa natureza para a prática docente e também para salientar os desafios metodológicos que os permeiam. Ademais, as questões abordadas pelos autores estão alinhadas com as tendências atuais observadas em vários países para os estudos sobre argumentação, existindo uma clara sinalização sobre a relevância dos modos dialógicos de interação no processo de ensino-aprendizagem, com a concomitante necessidade de preparo dos professores para fomentá-los.
Nessa perspectiva, duas vertentes principais foram privilegiadas nos artigos que compõem a edição: pesquisas sobre estratégias que visam à promoção da argumentação em ambientes de ensino; e sobre a formação de professores e as demandas de um ensino pautado na argumentação.
Na primeira vertente estão quatro artigos que tratam de estratégias didáticas baseadas na discussão de questões sociocientíficas (QSC) e dois que se voltam a questões relacionadas a conceitos químicos, além de um artigo de revisão sobre uma estratégia em particular, o método de Estudos de Caso. Na segunda vertente, dois artigos dedicam-se à formação continuada e três à formação inicial de professores.
As QSC abordadas foram a suplementação alimentar, a implantação de usina termoelétrica, os alimentos com conservantes, os agrotóxicos na cultura do abacaxi e o desenvolvimento de um substituto para o sangue, disponível para transfusões. As interações discursivas ocorridas na resolução das QSC foram analisadas de formas distintas, assim como a qualidade dos argumentos gerados. No artigo “Questão sociocientífica e emergência da argumentação no ensino de química”, por exemplo, a análise foi desenvolvida com base nas categorias: argumento, contra-argumento e resposta; e natureza da argumentação: ambiental, científica, econômica, ética e social. Os resultados mostraram que a resolução da QSC estabeleceu um contexto favorável à argumentação, fornecendo indícios de construção do conhecimento sobre o tema suplementação alimentar.
Destaque a conhecimentos químicos tradicionais, e não às QSC, foi dado pelos autores dos artigos “Interações argumentativas no ensino de química a partir de um texto histórico” e “Investigação orientada por argumentos no ensino de química de nível médio: uma proposta em cinética”. No primeiro, a intenção foi investigar como um texto histórico sobre a teoria das misturas gasosas proposta por Dalton poderia auxiliar os estudantes no envolvimento em interações argumentativas, enquanto no segundo foram buscados indícios sobre o favorecimento da prática de argumentação, a partir da realização de atividades experimentais de cinética química conduzidas com base em um modelo instrucional, denominado de Argument-Driven Inquiry. Foi possível constatar que o texto histórico alcançou o status de ferramenta epistêmica, propiciando aos estudantes meios de comunicar e justificar seus argumentos, e a adoção do referido modelo os aproximou da argumentação característica da linguagem científica.
Para que a argumentação se torne frequente em ambientes de ensino de química, a inserção em sala de aula de um repertório de estratégias favoráveis ao seu desencadeamento, como as relatadas neste número da QNEsc, precisa estar associada à capacidade do professor em engajar os estudantes em situações investigativas, rompendo com rotinas institucionais usuais. É sobre os importantes desdobramentos das ações docentes ao favorecimento do envolvimento do alunado em processos argumentativos que tratam os artigos “Contribuições de ações favoráveis ao ensino envolvendo argumentação para a inserção de estudantes na prática científica de argumentar” e “O papel do terceiro na argumentação dialogal: identificando o perfil argumentativo em uma atividade de júri simulado”. Neles são analisados episódios com foco em estratégias discursivas e ações verbais de professoras no ensino básico e superior, respectivamente.
Ainda no que tange à formação de professores frente às demandas de um ensino pautado na argumentação, o leitor irá encontrar os seguintes artigos, voltados ao contexto dos Cursos de Licenciatura: “História em quadrinhos como fio condutor da argumentação de licenciandos em química”; “Dialogismo e apropriação de aspectos enunciativos por meio da produção de contos na formação de professoras de química”; “Lembrança estimulada no desenvolvimento da prática reflexiva de licenciandos em química sobre argumentação”.
Esperamos que este número especial, que conta com contribuições oriundas de vários Estados brasileiros, possa oferecer subsídios a futuras pesquisas sobre a argumentação, assim como estimular iniciativas que resultem no desenvolvimento, em todos os níveis de ensino, de práticas epistêmicas autênticas da ciência.
Desejamos uma ótima leitura e reforçamos o apelo para que, mesmo com o início da vacinação contra a covid-19, nossos leitores e leitoras continuem se cuidando!
Paulo A. Porto
Salete L. Queiroz
Editores de QNEsc