Vozes das ruas – e a educação?
No editorial da edição número 1 de 2015 de Química Nova na Escola, manifestamos a expectativa diante da nomeação de um novo ministro da Educação. Não houve tempo, no entanto, para que qualquer expectativa se concretizasse: sua gestão não durou sequer três meses. A instabilidade em uma área que o governo federal apontou como prioridade para o atual mandato não foi a única notícia a causar inquietação entre os que se preocupam com os rumos atuais da educação brasileira. Uma greve de professores no estado de São Paulo se estendeu por mais de 90 dias. Nesse estado, há milhares de professores contratados em caráter temporário que, após três anos de trabalho, são obrigados a ficar 200 dias afastados: foi a solução jurídica encontrada pelo governo estadual para não caracterizar vínculo empregatício com os temporários. Além disso, a cada renovação anual do contrato de trabalho, o professor temporário tem que ficar 40 dias afastado, isto é, sem receber. Não é difícil imaginar as consequências desse regime de trabalho: rotatividade de professores, que impede a continuidade e o amadurecimento de propostas pedagógicas nas escolas, e abandono do magistério diante de melhores perspectivas profissionais. Tenhamos paciência, entretanto: os atuais governantes de São Paulo estão há “apenas” 20 anos no poder, o que talvez seja um prazo muito curto para definir uma política educacional e dela colher algum resultado positivo. No estado do Paraná, outra greve gerou cenas lamentáveis quando a Polícia Militar reprimiu violentamente uma manifestação de professores, deixando mais de 200 feridos. Manifestações de outra natureza, nas quais alguns participantes se compraziam em fazer fotos ao lado de policiais militares e alguns outros pediam a volta da ditadura militar, também ocorreram nos últimos meses. Para surpresa daqueles que trabalham com educação, houve quem saísse às ruas portando faixas que clamavam “Basta de Paulo Freire” – apontado como culpado por uma suposta doutrinação marxista em nossas escolas. Surpresa em parte, pois, para quem acredita que o país estaria melhor sob uma ditadura militar, não deve ser difícil acreditar que vivemos sob a ameaça comunista (não mais de Moscou, mas de um não menos perigoso eixo Havana-La Paz-Caracas) e que Paulo Freire é o principal responsável pelas mazelas de nossas escolas.
Esse conjunto de acontecimentos nos convida à reflexão. Diferentemente do que supõem os revoltados manifestantes, se a maioria dos professores brasileiros tivesse a oportunidade de conhecer, entender e levar para a sala de aula as ideias de Paulo Freire, os indicadores da qualidade da educação brasileira por certo estariam melhores do que estão na atualidade. Outro aspecto a merecer atenção é o fato de que as greves de professores se sucedem, duram semanas, meses – e não provocam qualquer reação da sociedade. A ideia de que a maioria das escolas públicas é ruim mesmo, que a maioria dos professores é incompetente e que sua remuneração merece ser baixa mesmo parece estar disseminada pela sociedade brasileira. Aceitamos esse estado de coisas como natural, como se não pudesse ser de outra forma. Ainda não se tem notícia de uma mobilização popular a exigir professores bem formados e bem remunerados, exercendo sua profissão em escolas em que haja condições para isso – e não apenas em umas poucas escolas-modelo, mas em toda a rede pública de ensino. Aceitamos passivamente a degradação da instituição escolar e aceitamos que a educação de qualidade seja um privilégio de poucos. Essa parece ser uma grande armadilha, que nos impede de criar condições para a resolução de tantos outros problemas do país.
Enquanto isso, educadores seguem lutando para mostrar que educação de qualidade é possível em nosso país e não apenas para uns poucos. Alguns frutos desse esforço cotidiano se encontram nas páginas de Química Nova na Escola. Nesta edição, o artigo Química e armas não letais: gás lacrimogêneo em foco aborda um tema bastante em voga, que reflete um dos aspectos da violência cotidiana que temos vivido no Brasil. Outros temas que podem aproximar o ensino de química do cotidiano dos estudantes estão presentes nos artigos O impacto dos produtos domissanitários na saúde da população do Complexo do Alemão – Rio de Janeiro e A química da cerveja. Os professores que enfrentam dificuldades para inserir a experimentação em suas aulas podem se beneficiar da leitura do artigo Efeito estufa usando material alternativo. Conceitos fundamentais para a compreensão da química, átomo e ligação química, são abordados em Modelos para o átomo: atividades com a utilização de recursos multimídia e em Representações presentes nos livros didáticos: um estudo realizado para o conteúdo de ligação iônica a partir da semiótica peirceana.
Para demonstrar que as ideias de Paulo Freire não são o problema, mas podem contribuir para a melhoria da educação brasileira, o artigo Densidade: uma proposta de aula investigativa traz uma atividade inspirada nos ensinamentos do educador. A formação de professores, preocupação permanente nas páginas de QNEsc, recebe enfoques diferentes em dois artigos: Aprendizagem baseada em casos investigativos e a formação de professores: o potencial de uma aula prática de volumetria para promover o ensino interdisciplinar e Oficinas pedagógicas: uma proposta para a reflexão e a formação de professores. Finalmente, outro aspecto da democratização do ensino de qualidade – a inclusão de portadores de necessidades especiais – recebe uma contribuição no artigo Evidências para além do enxergar: vivências e significação do conceito de reação química entre alunos com baixa visão.
Boa leitura!
Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz
Wildson Luiz Pereira dos Santos