Perdas
Temos perdido muito ultimamente. Perdemos a ilusão de que os rumos da política seriam decididos nas urnas, pelo voto popular. Perdemos mais uma oportunidade de ver o país crescer, construir condições de vida dignas para a maioria da população e ser soberano. Assistimos a grupos, dentro e fora do aparato estatal, dentro e fora do país, golpearem as instituições, usurpar o poder e trair as aspirações populares - defendendo interesses que certamente não são os nacionais. Perdemos parte de nossa humanidade com a escalada do discurso de ódio, da intolerância e da violação de direitos elementares, como o da presunção da inocência e à justa defesa nos processos judiciais. A cada dia, perdemos um pouco de nossa voz, com a criminalização dos movimentos sociais e a crescente violência promovida pelos aparatos de repressão do Estado contra qualquer manifestação que se oponha aos donos do poder.
No campo da educação, perdemos mais uma oportunidade de atacar os verdadeiros problemas: a Medida Provisória que trata do Ensino Médio, proposta sem qualquer discussão com a sociedade, ou não trará melhores resultados educacionais, ou irá piorar ainda mais um quadro que já é de penúria. Ao mesmo tempo, os donos do poder procuram ocultar o que não lhes interessa: o desempenho dos alunos das escolas federais no mais recente exame internacional PISA (que costuma ser utilizado como medida do fracasso do sistema educacional brasileiro) é bem superior à média nacional, e comparável ao de países mais desenvolvidos. Não por acaso, nos Institutos Federais os professores não são “horistas”, mas contratados em dedicação exclusiva, suas carreiras são valorizadas, as condições de trabalho são melhores que a média das escolas públicas, e seus salários, se não são comparáveis aos de professores de outros países, ao menos não são indignos. Também não por acaso, esses fatos não repercutem na grande mídia, que prefere repetir as falácias de pseudo-especialistas em educação - como a de que o gasto em educação, no Brasil, é comparável ao dos países mais desenvolvidos, em termos de porcentagem do PIB. Logo, os recursos estariam sendo mal empregados. Não é difícil desmascarar essa falácia: para que todas as escolas brasileiras tivessem a estrutura das escolas federais, em termos materiais e de valorização docente, teríamos que investir mais do que aqueles países, que já fizeram esse investimento no passado. Entretanto, como falar em maiores investimentos em educação, agora que o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional que congela os gastos públicos por vinte anos? Enfim, é preciso definir prioridades: os juros da dívida pública precisam ser pagos, conforme as leis do mercado, pois, do contrário, será o caos. Para os donos do poder, pessoas sem acesso à saúde e educação não são o caos. Afinal, a meritocracia há de garantir que quem trabalhar mais e melhor terá acesso à saúde e educação. Por que se preocupar com quem não se esforçou o suficiente, não é mesmo?
Alguns de nós já perderam a esperança de ver o Brasil realizar seu imenso potencial. Nem todos, porém. Nas centenas de escolas e Universidades ocupadas por estudantes pelo país afora, muitos jovens ainda acreditam que as coisas podem ser diferentes. Ingenuidade, dirão alguns. Há que considerar, no entanto, que essa mesma juventude será a responsável pelo futuro do país, cabendo a ela criar as condições para que nosso destino não seja o de sermos eternamente subalternos.
Para nossa tristeza, a comunidade de educadores químicos brasileiros perdeu também um grande batalhador. No final do mês de outubro passado, nosso colega Wildson Luiz Pereira dos Santos nos deixou precocemente, aos 55 anos de idade. Professor da Universidade de Brasília, onde orientou 15 dissertações de mestrado e 7 teses de doutorado, Wildson contribuiu de muitas maneiras para a área de ensino de química. Entre 1993 e 1996, integrou a Diretoria da Divisão de Ensino de Química da SBQ. Além de dezenas de artigos e capítulos de livros, Wildson foi co-autor de livros didáticos de química - um dos quais recebeu, em 2001, o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Livro Didático - Ensino Fundamental e Médio. Para nós, a perda é particularmente sentida: entre 2007 e 2015, Wildson foi Editor de Química Nova na Escola, período em que a revista passou de dois para quatro números ao ano e experimentou crescente repercussão e impacto entre os educadores em química. Wildson foi um dos idealizadores e primeiro responsável pela seção Cadernos de Pesquisa, inaugurada em 2015. Wildson entendia que nossa comunidade já crescera em número e maturidade para ter uma revista dedicada exclusivamente à publicação de trabalhos de pesquisa, e a seção Cadernos de Pesquisa de Química Nova na Escola haveria de ser o embrião desse novo periódico. Em todos que o conheceram, o professor Wildson deixa a lembrança de gentileza, integridade e espírito de colaboração em prol dos bons ideais. Os atuais Editores de QNEsc se sentem honrados por haverem compartilhado a editoria desta revista com Wildson entre 2013 e 2015, e manifestam aqui sua gratidão por seus ensinamentos e pela convivência enriquecedora em tantos aspectos.
Dedicamos este número de QNEsc à memória do professor Wildson, e desejamos que seu exemplo sirva de inspiração a todos os educadores químicos brasileiros. Boa leitura!
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Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz