Educação, Ciência e Tecnologia: descaso.
Qual de nós não conhece o ditado popular “agosto é o mês do desgosto”? Este ano, mais do que em outros recentes, está difícil não nos rendermos à superstição que credita a agosto uma conotação negativa. De fato, logo no segundo dia do mês, a denúncia da Procuradoria Geral da República contra Michel Temer por corrupção passiva foi barrada na Câmara dos Deputados. O apoio de 236 parlamentares determinou tal desfecho, que demonstrou uma vez mais a indigência moral de nossos congressistas. Políticos estes que, diante da denúncia, mostraram maior interesse em angariar cargos e dinheiro para emendas parlamentares do que em atender à população, ansiosa por investigar as alarmantes suspeitas sobre a conduta daquele que ora ocupa o mais alto cargo do país. Em contraponto, não é menos alarmante a apatia dos cidadãos brasileiros diante de tamanha bandalheira. Não deveríamos ir às ruas, bater panelas e questionar a legitimidade de ações dessa relevância por parte de políticos que, em número considerável, respondem a algum tipo de procedimento penal?
Enquanto isso, ainda no início do mês e longe dos discursos extravagantes pronunciados na Câmara dos Deputados no dia da votação sobre a denúncia, grande comoção foi gerada nas instituições de ensino e pesquisa com a divulgação das dificuldades que atravessa o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para honrar os compromissos assumidos com milhares de bolsistas. A manifestação de preocupação com mais esse sinal de descaso do governo federal com as áreas de Educação, Ciência e Tecnologia foi imediata por parte de várias sociedades científicas, dentre as quais a Sociedade Brasileira de Química. O CNPq, fundado há mais de sessenta anos, é de fundamental relevância, não somente para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, mas também para a formação de pesquisadores e recursos humanos. As iniciativas voltadas à referida formação são muitas e incluem o Programa de Bolsas de Iniciação Científica, que desempenha papel importante no crescimento pessoal de graduandos, na construção de uma visão não ingênua sobre a ciência e na socialização profissional. Levar adiante medidas que enfraquecerão o CNPq resultará na não ampliação e consolidação de núcleos de pesquisa, com prejuízos para toda a sociedade brasileira.
Firme na intenção de contribuir para a formação de alunos participativos, capazes de atuar de forma crítica e responsável, inclusive diante de situações e contextos adversos como os que atualmente enfrentamos no país, é que a QNEsc traz neste número artigos que buscam enriquecer o leque de conhecimentos dos educadores químicos para que desencadeiem, em sala de aula, processos fomentadores de tal atuação.
Os cursos de Licenciatura em Química são alvo de atenção em dois artigos. No primeiro deles, “O perfil da Prática como Componente Curricular na formação inicial de professores de química: possibilidades de inovação didático-pedagógica”, os autores tratam dos fundamentos e discutem a importância da Prática como Componente Curricular (PCC) em função das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores. Além disso, sugerem caminhos que possibilitem à PCC funcionar como suporte à articulação entre teoria e prática e ao desenvolvimento de saberes profissionais. Em contraponto, são os Projetos Político Pedagógicos (PPP) de cursos dessa natureza, de três instituições, uma particular e duas públicas, que se constituem como objeto de estudo no segundo artigo: “Caminhos e descaminhos da formação docente: uma análise dos projetos pedagógicos de cursos de Licenciatura em Química do Rio de Janeiro”.
Na seção “Relatos de Sala de Aula”, o leitor encontra atividades elaboradas e desenvolvidas por participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência do Rio de Janeiro e do Paraná. Estas possuem em comum o fato de aproximarem conteúdos químicos do cotidiano dos alunos, a partir da problematização de questões ambientais, sociais e econômicas relacionadas aos temas em foco: a tabela periódica e o chocolate. Enquanto os pibidianos fluminenses construíram uma tabela periódica interativa a partir da reciclagem de embalagens Tetra Pak®, os paranaenses empregaram o método cooperativo Jigsaw na ampliação dos conhecimentos sobre o chocolate.
Os escorpiões sempre despertaram muita curiosidade e fascínio! É sobre eles que trata o artigo da seção “Experimentação no Ensino de Química”, no qual os autores oferecem elementos para a elaboração de uma proposta interdisciplinar para o Ensino Médio, a partir do estudo da fluorescência do escorpião. A questão da experimentação é também abordada na perspectiva do uso da tecnologia assistiva como ferramenta cultural em experimento sobre a extração do café com alunos deficientes visuais, assim como do ponto de vista da análise da polissemia da palavra experimentação no contexto da Educação em Ciências.
Ótima leitura a todos!
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Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz
Editores