Em Defesa da Escola COM Dignidade
De acordo com dados do Censo Escolar 2017, divulgados em janeiro último, cerca de 10% das escolas brasileiras de ensino fundamental não contam com pelo menos um dos recursos básicos de infraestrutura: rede de água, energia elétrica ou rede de esgoto. Em 28% das escolas, a destinação dada ao lixo é a queima. Apenas 54% das escolas de ensino fundamental contam com biblioteca ou sala de leitura; 47% têm laboratório de informática; e 34% não dispõem de acesso à internet. A rede de escolas de ensino médio é bem menor e está em melhor situação. Ainda assim, cerca de 54% das escolas de ensino médio não contam com laboratório de ciências; 12% não têm biblioteca ou sala de leitura; e 23% não dispõem de quadra de esportes.
No que se refere aos docentes que atuam no ensino médio, 35% dos professores de química não têm formação na área; entre os professores de física, cerca de 55% não têm formação específica nesse campo da ciência.1
Assim sendo, gostaríamos de sugerir a nossos legisladores e formuladores de políticas públicas que passem a defender projetos que enfrentem os reais problemas das escolas brasileiras: Escola COM Rede de Água, Luz e Esgoto; Escola COM Biblioteca; Escola COM Sala de Informática e Internet; Escola COM Laboratório de Ciências; Escola COM Quadra de Esportes; Escola COM Professores Adequadamente Capacitados e Dignamente Remunerados.
No Brasil atual, os valores mais elementares de convivência em sociedade têm sido atacados. Pretende-se abolir a diversidade humana em favor de uma suposta “normalidade” baseada em fundamentalismo religioso, ignorando-se a separação entre Estado e religião. Ao contrário do que esses fundamentalistas gostariam, as pessoas são diferentes, e as múltiplas manifestações de identidade não deixarão de existir mesmo se deixarmos de falar sobre elas. Sob a máscara de uma falsa “neutralidade” da escola, pretende-se impedir que os estudantes utilizem o que aprendem na escola para mais bem compreenderem suas próprias vidas, mantendo uma antipedagógica separação entre o conhecimento escolar e o mundo a sua volta. Para isso, os arautos do obscurantismo se valem de um discurso sedutor para muitos, igualando e confundindo a ciência com a religião, a educação formal com os valores familiares, o pensamento crítico e reflexivo com a doutrinação, a censura com a neutralidade. Assim se desvia a atenção dos problemas que realmente prejudicam a educação brasileira.
Censurar a atividade docente é, de fato, negar o caráter público da escola, é negar a educação como dever do Estado, previsto em nossa Constituição Federal tão vilipendiada nos últimos anos. É parte de um processo mais geral, de negação do próprio papel do Estado na sociedade. Conquistas fundamentais da civilização, como a noção de Direitos Humanos, também são negadas e valoradas negativamente. Assistimos a um retorno à “lei das selvas”, pela qual os mais fortes (ou os mais bem adaptados ao ambiente) – no caso, os detentores de maior capital financeiro – sobrevivem, enquanto os mais fracos (ou menos adaptados) estão fadados a se esconder, ao medo diuturno, ao risco da extinção iminente. Por que estamos renunciando à nossa humanidade e abraçando a animalidade? Infelizmente, a maioria de nós, humanos brasileiros deste início de século XXI, sequer entenderá a pergunta, e seguiremos sem resposta.
Enquanto ainda podemos ensinar um pouco das ciências da Natureza – outra construção da civilização para dar sentido ao mundo em que vivemos, e para nos ajudar a sobreviver nele –, este número de Química Nova na Escola traz preciosas contribuições para aqueles que se dedicam à educação em química. Reflexões muito úteis sobre o significado da curiosidade no contexto didático, que podem contribuir para o desenvolvimento de um ensino que seja mais significativo para os estudantes, estão presentes no artigo “O valor pedagógico da curiosidade científica dos estudantes”. Três artigos constituem bons exemplos da articulação entre teoria e prática, incluindo sugestões de métodos e técnicas experimentais acessíveis aos professores: “A fotografia científica no ensino: considerações e possibilidades para as aulas de química”; “Corantes: uma abordagem com enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) usando Processos Oxidativos Avançados”; e “Extração de óleos essenciais por arraste a vapor: um kit experimental para o ensino de química”. Além da experimentação, o ensino e a aprendizagem podem receber relevantes contribuições das tecnologias da informação e da comunicação, cada vez mais presentes no cotidiano. Dois artigos nesta edição exploram diferentes aspectos dessas tecnologias, conforme o leitor poderá observar em “As videoaulas em foco: que contribuições podem oferecer para a aprendizagem de ligações químicas de estudantes da Educação Básica?”, e também em “O uso de multirrepresentação e ciclos de interação em uma aula virtual
de química”. Uma vertente atual do ensino de ciências, relativa à investigação no contexto didático, comparece em dois artigos, que abordam o ensino de conceitos químicos fundamentais: “Uma sequência investigativa relacionada à discussão do conceito de ácido e base”; e “Aprendizagem ativo-colaborativo-interativa: inter‑relações e experimentação investigativa no ensino de eletroquímica”. Finalmente, esta edição traz também um artigo que utiliza mapas conceituais e uma estratégia lúdica para o estudo da classificação dos elementos químicos: “O uso de mapas conceituais no ensino da Tabela Periódica: um relato de experiência vivenciado no PIBID”. Lembramos que, no ano que vem, celebram-se 150 anos da publicação da primeira Tabela Periódica de Mendeleev. Que essa data comemorativa sirva de inspiração a nossos leitores para desenvolver abordagens criativas e inovadoras para o ensino da Tabela Periódica – não para sua memorização, mas para o efetivo entendimento de seu significado e das informações ali contidas. Artigos a respeito serão, como sempre, muito bem vindos!
Boa leitura!
Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz
Editores de QNEsc
Nota
1Fonte: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2018/notas_estatisticas_Censo_Escolar_
2017.pdf, acessado em Novembro 2018.