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Química Nova na Escola
Vol. 41 No4
Novembro de 2019

Editorial

Novas Diretrizes, velhos problemas

 

As más notícias para a educação brasileira parecem não ter fim. No dia 7 de novembro, o Conselho Nacional de Educação aprovou uma resolução que define novas Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica. Importante lembrar que essa medida vem apenas quatro anos depois da Resolução CNE/CP 02/2015, que trata do mesmo assunto. Ou seja, mal houve tempo para que as Instituições de Ensino Superior se adaptassem às Diretrizes anteriores, e tudo muda novamente. Pior do que sua extemporaneidade, porém, é o próprio conteúdo das novas Diretrizes.

 O Parecer que trata da novas Diretrizes inclui um diagnóstico de algumas das mazelas da educação brasileira. Entre elas, se aponta a falta de professores de Química e Física com formação adequada, ou seja, com Licenciatura nessas áreas. Também se menciona o “baixo valor social da carreira do magistério no Brasil”, acompanhado de dados sobre a defasagem salarial dos professores em relação a outras carreiras de nível superior e de comentários sobre a migração de licenciados para outras profissões. São citados dados estatísticos segundo os quais mais de 40% dos professores do ensino médio no Brasil trabalham em duas ou mais escolas, o que evidentemente prejudica seu compromisso com os projetos pedagógicos de cada instituição escolar. Nesse contexto, podemos mencionar um dado do Censo Escolar 2018 que não consta do referido Parecer, mas que é relevante: 40% dos professores das redes estaduais de ensino são temporários, o que contribui para a rotatividade de docentes nas escolas, desvalorização salarial, inexistência de carreira para esses profissionais e impossibilidade de construção de projetos pedagógicos consistentes.

 Diante desses e de outros conhecidos problemas da educação brasileira (como a falta de infraestrutura básica nas escolas públicas, por exemplo), não deixa de ser curioso que um trecho do Parecer afirme: “a formação docente é o fator mais importante para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem escolar dos estudantes.” Daí se justificaria a necessidade de novas Diretrizes, na peculiar lógica que orienta o Parecer.

 Um dos aspectos que mais chama a atenção nas novas Diretrizes é seu caráter restritivo e impositivo, que contraria até mesmo o que seria um dos fundamentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a saber, a possibilidade de os currículos se adequarem às diferentes realidades locais existentes no território brasileiro. O Parecer impõe uma distribuição única dos conteúdos curriculares e das horas de estágio ao longo dos quatro anos de curso, retirando das instituições de ensino superior a liberdade de organizarem seus currículos de acordo com projetos pedagógicos próprios e adequados à realidade de seus públicos.

Muitas outras críticas poderiam ser dirigidas a essas Diretrizes, como as que foram produzidas com muita propriedade pela ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e por entidades como a Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências (ABRAPEC), a Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ), a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), a Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), entre muitas outras que se manifestaram contra essa reformulação da Resolução CNE/CP 02/2015. 

A educação deve acompanhar a dinâmica da sociedade, e revisões curriculares periódicas são saudáveis e necessárias. O que não se pode concordar é que mudanças sejam feitas de maneira apressada e sem justificativas sólidas, ou motivadas por interesses outros que não os da maioria da população brasileira, de maneira a apenas desorganizar o sistema educacional. 

Cumprindo com seus objetivos e dentro de suas possibilidades, Química Nova na Escola oferece neste número algumas contribuições positivas à formação docente na área de química, seja pela disseminação de resultados de pesquisas, seja pelo compartilhamento de experiências docentes. Nossa seção Relatos de sala de aula apresenta três artigos que oferecem exemplos bem sucedidos de inovações no ensino, abrangendo tendências atuais, como o uso da argumentação (no artigo “Atividade investigativa teórico-prática de Química para estimular o desenvolvimento de habilidades argumentativas e resolução de problemas”), a interdisciplinaridade (“O ambiente natural como recurso para promover um ensino interdisciplinar”) e a experimentação contextualizada (“Biogás na escola: laboratório sustentável e desenvolvimento crítico numa perspectiva CTS”). A experimentação auxiliando a reflexão sobre fontes de energia também está presente no artigo “Célula solar na escola: como construir uma célula solar sensibilizada por corantes naturais”. Além disso, outros artigos exploram as potencialidades de recursos como jogos multimídia e história da ciência (respectivamente, nos artigos “Alternate reality game [ARG]: breve histórico, definições e benefícios para os processos de ensino e aprendizagem da química” e “Humphry Davy e a natureza metálica do potássio e do sódio”) para o ensino. Questões da atualidade são objeto de investigação e podem motivar reflexões muito úteis para professores e alunos, nos artigos “A polêmica da fosfoetanolamina no ensino de química: articulações entre planejamento de ensino e a comunicação científica” e “Prêmio Nobel de Química de 2019 – láurea pelo desenvolvimento das baterias de íons lítio”. Outro exemplo de como resultados de pesquisa podem fornecer elementos para que os professores de química repensem o que ensinam e como ensinam pode ser encontrado no artigo “Tabela Periódica: concepções de estudantes ao longo do ensino médio”. Finalmente, a própria formação de professores é objeto de estudo em dois artigos: “A filosofia na formação de professores de química em Minas Gerais: o que se mostra nos componentes curriculares de licenciaturas em química?” e “Ser ou não ser professor: duas faces de uma graduação em Química”. 

Que a leitura de mais esta edição sirva de inspiração e alento a todos os educadores em química do Brasil! 

Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz

Editores de QNEsc

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on-line ISSN 2175-2699
impreso ISSN 0104-8899
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