Covid-19 e volta às aulas presenciais
A pandemia de covid-19 já ceifou a vida de mais de 115.000 brasileiros e colocou o nosso país em segundo lugar no ranking mundial de casos e mortes dela decorrentes, superado apenas pelos Estados Unidos. Desde seu início, assistimos à queda de dois Ministros da Saúde e observamos, atônitos, a condução de forma interina da pasta, a partir de meados de maio. A ausência de titular capaz de planejar e executar políticas de saúde pública em um contexto tão alarmante é apenas um dos indicativos das omissões e condução ineficaz da enorme crise instaurada no Brasil. A crise sanitária pegou de chofre a educação básica e superior, obrigadas a migrar de forma apressada e, na maioria das vezes, atabalhoada, para modelos a distância.
Provavelmente, os olhos que deslizam por este texto pertencem a educadores que presenciaram, em um primeiro momento, a suspensão de aulas em escolas e universidades e se viram, na sequência, confrontados com obstáculos que não foram preparados para vencer de imediato. De fato, muitos precisaram aprender, em tempo exíguo, a utilizar plataformas digitais, a produzir materiais didáticos adaptados a elas, a gravar videoaulas e a realizar o processo avaliativo dos estudantes a distância. O fato da Educação a Distância (EaD) trazer em seu bojo a potencialidade para acentuar desigualdades também tem sido motivo de angústia para a comunidade docente, que se pergunta como lidar com o alunado que padece com a falta de recursos imprescindíveis para uma EaD efetiva, tais como internet de boa qualidade, computadores e aparelhos de telefonia móvel.
São profundas e tocantes as marcas deixadas pela pandemia no cenário educacional e, no momento atual, quando se discute a volta às aulas presenciais, cabem reflexões sobre como melhorar o aprendizado no período pós-pandemia. Infelizmente, o golpe sofrido pela economia global assegura um período amargo de recessão econômica, quando as desigualdades serão ainda mais exacerbadas, correndo-se o risco de reversão de progressos já obtidos que levaram a uma melhor formação dos nossos estudantes. Logo, políticas
voltadas especificamente para a educação se fazem ainda mais necessárias e precisamos reivindicá-las. Servem para subsidiar tais reivindicações estudos fidedignos que apontam a necessidade de ações contundentes de apoio voltadas principalmente aos jovens e às crianças com grande tendência à evasão, assim como àquelas cujas famílias estão em situação de alta vulnerabilidade social. Ademais, tendo em vista a perda de renda de um número considerável de pais e responsáveis pelos estudantes, o suporte financeiro não pode ser esquecido no que diz respeito à alimentação e transporte, para que os alunos tenham condições de regressar à sala de aula.
Do ponto de vista pedagógico, no retorno às aulas será fundamental o estabelecimento de ações de acompanhamento que se mostrem viáveis na identificação daqueles que mais precisam de ajuda para superar a defasagem de aprendizagem. A avaliação sobre a possibilidade de manutenção de algumas das práticas remotas incorporadas à rotina escolar no período de distanciamento social também será promissora, especialmente em se tratando das que colocaram os estudantes em condição de protagonismo. Enfim, reduzir os prejuízos devido à pandemia e fazer com que o engajamento nos estudos seja retomado será um desafio completamente novo para os educadores que, seguramente, será vencido, pois a capacidade que possuem de fazer malabarismos na defesa dessa causa está sendo provada e comprovada em cada dia desses tempos difíceis que vivenciamos.
É na perspectiva de contribuir para que a lida de cada um de nós, nas nossas respectivas salas de aula, seja mais suave na nova etapa que se aproxima que Química Nova na Escola traz neste número artigos com temáticas atuais e abordagens de ensino inovadoras. A questão étnico-racial, que vem ocupando manchetes em veículo de comunicação do mundo inteiro desde o final de maio, após a morte do afro-americano George Floyd, está presente em três artigos: o primeiro apresenta os resultados de uma experiência na formação inicial de professores de química relacionada à implementação de iniciativas didáticas pautadas na lei 10.639/2003 (“Propostas de ensino de química focadas nas questões étnico-raciais: uma experiência na licenciatura e seus desdobramentos para o nível médio”), enquanto o segundo discute possibilidades de associação entre o ensino de química e a educação escolar quilombola (“Quente e frio: sobre a educação escolar quilombola e o ensino de química”) e o terceiro enfatiza elementos de transformação científica e social presentes na culinária brasileira (“A comida como prática social: sobre africanidades no ensino de química”).
Relatos de atividades didáticas concretizadas com base nas tecnologias de informação e comunicação compõem o leque de assuntos da revista (“A química do petróleo: a utilização de vídeos para o ensino de química no nível médio” e “A ciência e os esportes: explorando a aerodinâmica com o auxílio artístico de nanoPutianos por meio de tirinhas”), assim como o ensino com base na aplicação de jogos (“Jogo pedagógico para o ensino de termoquímica em turmas de educação de jovens e adultos” e “Mineropólio: uma proposta de atividade lúdica para o estudo do potencial mineral do Brasil no ensino médio”) e de textos de divulgação científica (“Abordagem do tema biocombustíveis no ensino médio: textos de divulgação científica em foco”).
Por fim, o entendimento de estudantes da educação básica sobre a natureza da ciência, que tem sido exaustivamente abordado por pesquisadores da área de educação, dada a sua importância, é discutido no artigo “O teatro de temática científica em foco: impactos de uma intervenção didático-pedagógica nas visões distorcidas de alunos do ensino médio sobre a natureza da ciência”.
Desejamos que esta edição de QNEsc encontre todos os leitores com saúde. Cuidem-se bem!
Paulo Alves Porto
Salete Linhares Queiroz
Editores de QNEsc