Esperança, mesmo em tempos difíceis
O ano de 2020 vai chegando ao fim marcado pela pandemia e suas duras consequências. Apesar de tantas vidas perdidas, do desemprego, das escolas fechadas, das atividades de ensino não presencial improvisadas, alguns aspectos destes tempos de pandemia podem nos servir de alento para o futuro.
Nos anos 1930, a compreensão da estrutura do núcleo atômico ainda dava seus primeiros passos, e a primeira fissão nuclear artificial foi produzida no final daquela década. É incrível pensar que em 1945 – ou seja, em tão curto espaço de tempo – já existissem bombas nucleares capazes de matar milhares de pessoas em um instante. Sobre isso, William L. Laurence, jornalista a serviço das Forças Armadas dos EUA que acompanhou o Projeto Manhattan, escreveu: “É uma coisa bonita de se ver, esta ‘engenhoca’ [i.e., a bomba nuclear]. Em seu planejamento foram investidos milhões de homens-hora daquilo que, sem dúvida, é o esforço intelectual mais concentrado da história. Nunca antes tanto trabalho mental foi focalizado em um único problema” (New York Times, 9 de setembro de 1945, p. 1). É muito preocupante pensar que “o esforço intelectual mais concentrado da história” fosse dedicado à produção de armas de destruição em massa. Décadas depois, temos outro problema que está exigindo o foco de muitas e muitas mentes – desta vez, no mundo todo, e com um propósito bem diferente: salvar vidas. Já existem sólidas evidências de que em breve será possível iniciar a vacinação contra a covid-19: algumas vacinas estão em fase final de testes e têm se mostrado seguras e eficazes. Milhares de pesquisadores trabalham para isso e contam com a inestimável colaboração dos voluntários para os testes. Considerando que o desenvolvimento de vacinas normalmente demora anos, vemos que esse esforço concentrado tem sido bem-sucedido. A esperança, nesse caso, é que as novas gerações se conscientizem de que a ciência e a tecnologia podem servir à destruição ou à vida; e é preciso que a sociedade esteja bem informada para poder escolher os rumos que quer dar a elas.
A pandemia também tem mostrado a importância dos sistemas públicos de saúde. A esperança quanto a esse ponto é que em todo o mundo se reconheça a necessidade de que o acesso à saúde seja direito de todos os cidadãos, a ser garantido pelos Estados nacionais.
Outros fatos recentes se mostraram auspiciosos. O retorno da democracia à Bolívia, bem como a rejeição, em plebiscito, da Constituição herdada da ditadura pelo povo chileno, renovam a esperança de tempos melhores para a América Latina. A derrota de Donald Trump nas eleições nos EUA também traz a esperança de que a mentira como instrumento de governo, o negacionismo científico e o fundamentalismo religioso como meios de manipulação das pessoas possam, também, ser derrotados em breve em outros países cujos líderes seguem a mesma cartilha.
Em termos mais imediatos, temos esperança que este número de Química Nova na Escola seja útil e agrade a nossos leitores. Como é habitual, esta edição traz uma grande variedade de temas e abordagens. Dois artigos tratam de questões relativas ao ambiente, uma temática fundamental na atualidade, por meio de enfoques distintos. Um deles se constitui em trabalho de revisão e se intitula “A temática ‘agrotóxico’ no ensino de química em sala de aula: análise de textos publicados na literatura”. O outro artigo propõe uma abordagem experimental: “Gases ácidos na atmosfera: fontes, transporte, deposição e suas consequências para o ambiente”. A experimentação também está presente em outros dois artigos. Um deles é “Determinação do teor de cloreto de sódio em arroz cozido: uma proposta para o ensino de química e o combate à hipertensão arterial”, e mostra como as aulas de química também podem contribuir para a conscientização acerca de uma alimentação mais saudável. Experimentos didáticos sobre corrosão de metais foram examinados no artigo “Corrosão no ensino de Química: uma análise dos artigos publicados em Química Nova na Escola”. Um enfoque mais disciplinar também está presente nesta edição. A físico-química é uma área que costuma oferecer dificuldade para o ensino e a aprendizagem tanto no ensino médio quanto no superior. Dois artigos investigam possibilidades para lidar com esse problema. Um deles apresenta um programa de computador que permite a construção de gráficos em 2D e 3D, o que pode auxiliar a compreensão das relações entre variáveis de estado de gases (“Uso do Gnuplot como ferramenta facilitadora do ensino: aplicações em físico-química”). O segundo artigo discute questões conceituais relacionadas às transições de fase (“Problema no ensino do equilíbrio de fases condensadas com fase de vapor”). Demonstrando a diversidade dos artigos, uma temática pouco abordada nas páginas de QNEsc está presente nesta edição: a educação infantil é focalizada em dois artigos. Um deles apresenta um projeto que proporcionou vivências com atividades científicas para crianças: “O ensino de Ciências na Educação Infantil: relatos de sala de aula”. O outro artigo, “Mulheres na Ciência para Crianças”, relata uma atividade com estudantes do Ensino Fundamental, voltada para a discussão do papel das mulheres na ciência e na qual foram apresentadas contribuições de Marie Curie. Outro personagem histórico presente nas páginas deste número é Faraday, em artigo que aborda algumas de suas investigações em eletroquímica (“Michael Faraday rumo às Leis da Eletrólise: alguns experimentos”). Mas, além de ideias do passado, esta edição traz também um artigo que discute ideias recentes na pesquisa e no pensamento químico: “Da ordem ao caos: uma reorientação das ciências e da química”.
Desejamos uma ótima leitura, e que nossos leitores eleitoras continuem se cuidando!
Paulo A. Porto
Salete L. Queiroz
Editores de QNEsc