A pesquisa científica no Brasil agoniza
Temos vivido situações que deveriam levar as pessoas à reflexão sobre as escolhas que fizeram até aqui e o que pretendem para o futuro. No último mês de outubro, o governo federal e seus apoiadores no Congresso Nacional promoveram a retirada de 90% dos recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que seriam destinados a bolsas e apoio à pesquisa. Pouco antes, pesquisadores de todo o país haviam submetido seus projetos ao Edital Universal do CNPq, o qual não era realizado desde 2018. Embora com novas regras que dificultaram a apresentação dos projetos, e limitaram os valores a serem distribuídos a cada centro de pesquisa a quantias praticamente irrisórias, ainda assim o Edital Universal cumpre importante papel, pois atende a todas as áreas do conhecimento. Caso os cortes anunciados no orçamento do MCTI não sejam revertidos, o esforço dos pesquisadores para cumprir as exigências do Edital terá sido em vão. Pior do que isso é a perspectiva de que não haverá condições para o prosseguimento de inúmeras e importantes linhas de pesquisa no país.
Além disso, deixaram de ser pagas em outubro as bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e do Programa de Residência Pedagógica (RP), prejudicando cerca de 60 mil bolsistas. Trata-se de mais um duro golpe na formação dos futuros professores da Educação Básica. Mas não se pode esperar nada muito diferente de um governo cujo ministro da educação (aliás, um cargo atualmente de alta rotatividade), o pastor Milton Ribeiro, declarou, em um evento promovido por uma igreja, que o Brasil tem Universidades demais. O mesmo personagem já havia afirmado em entrevista que Universidade deveria ser “para poucos”.
Outro evento representativo do caráter dos governantes de momento foi o cancelamento da concessão da Medalha do Mérito Científico a dois pesquisadores da Fiocruz, dois dias após haver sido publicada em Diário Oficial. A concessão havia desagradado setores negacionistas e obscurantistas que sustentam o governo, pois um dos pesquisadores demonstrou a ineficácia da cloroquina para o tratamento da covid-19, e a outra promoveu políticas de saúde pública que incluíam a preocupação com pessoas transgênero. Em demonstração de dignidade, solidariedade e respeito – não apenas aos colegas, mas à própria ciência – outros 21 cientistas que receberiam a Medalha na mesma ocasião recusaram a honraria, e justificaram que não poderiam aceitá-la de quem “não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva”.
Como o ridículo parece não conhecer limites, adicionou-se mais uma afronta: o atual ocupante da cadeira presidencial outorgou a si mesmo o mais alto título (Grão-Mestre) da Ordem Nacional do Mérito Científico. O absurdo, porém, apenas mantém a coerência com o discurso de um governo fundamentado na mentira. Até aqui, essa foi a escolha da sociedade brasileira. O que ela há de querer para o futuro?
Relatos de ações didáticas concretizadas com base na experimentação também são encontrados nos artigos “Galvanização: uma proposta para o ensino de eletroquímica” e “Uma visão multi e interdisciplinar a partir da prática de saponificação”. Em ambos, o desenvolvimento das atividades busca priorizar o estabelecimento de relações entre o conhecimento científico e o conhecimento cotidiano, considerando o viés da interdisciplinaridade.
Se o futuro é incerto, ao menos Química Nova na Escola mantém no presente seu compromisso em favor da educação e da ciência brasileiras, e apresenta aos leitores mais uma edição. Neste número, questões relativas à diversidade e educação para as relações étnico-raciais são abordadas de diferentes maneiras em dois artigos. Em “O caso Alice Ball: uma proposta interseccional para o ensino de Química”, as autoras propõem uma sequência didática a partir da trajetória da cientista estadunidense Alice Ball. A inclusão das contribuições dos povos africanos no contexto do ensino é discutida no outro artigo, “Metalurgia do ferro em África: a Lei 10.639/03 no ensino de Química”. Tendo em vista a necessidade de aproximar o conhecimento escolar da realidade dos estudantes, utilizar temáticas relacionadas a alimentos pode ser uma boa estratégia. Três artigos nesta edição fazem referência a alimentos, sob enfoques bastante diversos. A discussão sobre agrotóxicos no ensino de química orgânica é focalizada no artigo “A invasão do agrotóxico na agricultura: abordagem para o estudo das funções orgânicas em perspectiva freireana da educação numa escola pública”. Uma proposta de atividade experimental que utiliza sucos de frutas é apresentada em “Atividade antioxidante de frutas cítricas: adaptação do método do DPPH para experimentação em sala de aula”. Outro experimento, desta vez utilizando um corante alimentício, é apresentado no artigo “Avaliando métricas em Química Verde de experimentos adaptados para a degradação do corante amarelo de tartrazina para aulas no Ensino Médio”. Ainda no campo da experimentação, diversas atividades com reagentes de baixo custo e com possibilidade de serem exploradas com viés investigativo são descritas em “Tintura de iodo como potencial reagente para a experimentação no ensino de Química”.
Outra estratégia que tem sido explorada com sucesso para engajar os jovens na aprendizagem de ciências é o uso de jogos, como se vê em dois artigos deste número. Ambos exploram o popular formato de jogos de tabuleiro, seja para o ensino de ligações químicas (“Iônico ou covalente? Dama Química como forma lúdica e interativa para o ensino de Química na Educação Básica”), seja para o ensino de geometria molecular (“GeomeQuímica: um jogo baseado na Teoria Computacional da Mente para a aprendizagem de conceitos de geometria molecular”). Para além da ciência escolar, os museus de ciências e outros espaços de exposição se constituem em importantes aliados da popularização da ciência e podem ajudar a ampliar a compreensão e o interesse pela Química. Uma pertinente iniciativa nesse sentido encontra-se descrita no artigo “Primo Levi e a divulgação da Ciência em materiais multimídia de uma exposição museográfica”. Finalmente, um tema que se encontra na ordem do dia desde a publicação da assim chamada Base Nacional Comum – Formação em 2019 também é tratado nas páginas que seguem. As dificuldades envolvidas no estabelecimento de um curso para formar professores de Química são objeto de reflexão em “Implantação e desenvolvimento do curso noturno de Licenciatura em Química da Universidade Federal do Ceará: trajetória, sentidos e (des)configurações da formação docente”. Como se vê, os desafios são grandes e as soluções não são simples. Cabe-nos não esmorecer.
Desejamos um ótimo proveito a todas as pessoas que nos prestigiam com sua leitura!
Paulo A. Porto
Salete L. Queiroz
Editores de QNEsc